quinta-feira, agosto 31, 2006

Intimidade Forçada

Ela não é necessariamente uma amiga, mas participa mais da sua intimidade do que a sua própria mãe. Ela vê todas as roupas que você usa, conhece a marca do seu xampu, sabe quais os produtos de limpeza você compra, prepara o que você come e percebe até de que forma você dorme. Seriam informações valiosas para qualquer instituto de pesquisa, conhecer tão profundamente os hábitos dos consumidores. Bem que eles poderiam contratá-las somente para informar todos esses costumes, pelos quais muitas empresas pagariam milhões para conseguir. E o melhor, a custo baixo.

Claro, estamos falando da empregada, privilégio brasileiro presente na maior parte das casas de classe média, que ajuda naquelas tarefas diárias que nunca terminam, mas que não dão nenhum status. Não é à toa que as mulheres fazem dois ou três turnos de trabalho, com empregos nem sempre satisfatórios, mas melhor do que lavar e cozinhar sem reconhecimento. Nem do marido, nem dos filhos.

Por isso contratamos essas moças para nos ajudar. Se elas soubessem o quanto elas valem....tanta informação sobre comportamento, para as agências de pesquisa de mercado, renderia mais por hora do que elas ganham por dia. Mas enquanto isso não acontece, elas ganham (mal) pelo trabalho de casa, e a gente se libera de uma parte dos afazeres domésticos. Mas a conta não fecha de forma tão fácil. Temos que ensinar, dizer o que fazer todos os dias, tolerar os pratos quebrados, as faltas, a má vontade. Certa vez, uma diarista disse para minha amiga antes de ser contratada: “Com 'penso' é mais caro”. Na linguagem dela, 'penso' é fazer as tarefas sem que a patroa mande.

Há casos também de inversão – a empregada é quem manda na casa, na patroa, até nos filhos. Minha mãe contratou uma faxineira ótima, que parecia um furacão para limpar, só que, quando ela terminou, minha mãe não sabia nem onde estava a televisão. Tão eficiente, mudou tudo de lugar. “Ficou bem melhor agora, não?”, disse o furacão, com um sorriso de quem fez a coisa certa.

Uma coisa que eu nem sabia que existia é a empregada voyeuer. A Fabi teve uma assim na casa dela. Ninguém entendia por que numa determinada hora do dia ela interrompia a limpeza para ir para o andar de cima, onde estava o banheiro. Para espiar o pai dela tomando banho pelo buraco da fechadura... Essa devia ser informante de alguma fábrica de sabonete, a fim de saber que parte do corpo as pessoas começam a lavar primeiro.

Mas também não é fácil para elas. Moram na periferia, pegam dois ou três ônibus, enfrentam trânsito, greves, problemas financeiros, não têm com quem deixar os filhos, que muitas vezes ficam a cargo de uma vizinha. Ou o que é mais perverso, as crianças têm de se tornar adultas muito antes da hora, tomando conta de si e dos outros menores. Ou seja, quando elas chegam para trabalhar, já fizeram muita ginástica física e mental e ainda têm uma casa inteira para deixar brilhando. E em muitos casos, com a patroa atrás passando o dedo nos móveis para checar a qualidade....e aproveitar ao máximo cada real pago pelo dia.

O fato é que as duas partes têm problemas. Afinal, são pessoas e a palavra que melhor descreve a raça humana é a imperfeição. Em função disso, as relações também são imperfeitas. Como diz a Sílvia, mudar de empregada é igual mudar de marido, só muda o problema. Concordo, com uma ressalva, quando o problema é maior que o benefício, está na hora de mudar. Como tudo na vida.

quinta-feira, agosto 17, 2006

Havia no caminho uma pedra

Não vejo nenhuma diferença entre a Medicina e o Direito. Ambas usam palavras comuns com significados impróprios e exploram ao máximo a preparação dos seus executores. A melhor das técnicas pode ainda ser vencida ou refutada quando uma doença ou uma sentença acontecem de forma inesperada em relação ao comportamento previsto, justo no seu caso. Adianta saber que o efeito em 98% dos casos é diferente do que ocorreu com você?

Vou dar um exemplo. Sexta-feira estava gripado e com muita dor nas costas. Quase não dormi e às 7h00 já estava pedindo carona até o hospital mais próximo, carregava na mão as três carteirinhas de convênios para não perder tempo.

Lá, me apontaram três possíveis causas: rotavírus da gripe, cálculo renal ou apendicite. Felizmente ninguém me perguntou se era gravidez, mesmo com os sintomas de enjôo e ânsia, talvez porque nenhum dos meus três convênios tenha catalogado no manual de instruções este código para homens.

Cerca de 24 horas depois, já em SP, os médicos, com a ajuda dos exames, acharam a causa: um simples cálculo renal proveniente de muita picanha, fraldinha, cupim e outras carnes suculentas, sem a correspondente parcela de cerveja ou água.

Foram três dias internados porque a pedra estacionou num ponto que não dava para fazer o bombardeamento sem causar uma hemorragia. A solução proposta era enfiar um negócio em mim, naquele lugar mesmo que você imaginou, para buscar a pedra e deixar no lugar um “caninho intrauteral em J” por uns quinze dias para não colapsar a uretra, quando então teria que fazer uma outra intervenção cirúrgica para o intruso da uretra.

Um procedimento cirúrgico como o do “caninho”, 30 vezes maior do que a pedrona que me incomodava tanto naquele momento, seria mais invasivo e menos arriscado. Eu, de avental aberto, resignado na cadeira de rodas ou andando como uma grávida, já nem me preocupava mais se visualizassem minhas partes antigamente íntimas.

Para quem pôde comparar, mulheres dizem que a dor do cálculo é igualmente dolorida a da gravidez. Achei isso injusto! Lembro que as mulheres são muito mais resistentes a dor do que os homens! Mesmo assim, talvez entenda agora, por simpatia, o que signifique aquele estado puerperal descrito no Código Penal, onde a pena é reduzida quando a mãe mata o feto logo após o seu nascimento por um transtorno temporário em seu estado de espírito. Se a dor da gravidez é parecida, querer matar a pedra não me parece estranho!

Falando em coisas estranhas, descobri nos exames que tenho três rins e começo a reavaliar com meu único coração se adotar uma criança não seria um risco menor para perpetuação da espécie humana e garantia do sobrenome, sem os genes, por mais de uma geração.
Penso ainda no “caninho em J”. Para que lado ficaria a perninha do jota? Como assim? Melhor não saber ...

Adriano Campos de Assis e Mendes
Advogado

segunda-feira, agosto 14, 2006

É proibido proibir


Quando eu tinha 10, 12 anos, meu pai me perguntou se eu gostaria de fumar cigarro. Antes mesmo que eu respondesse sim ou não, ele já foi explicando sobre os males do tabaco: mau hálito, dentes amarelos, câncer no pulmão, problemas cardíacos e mais uma infinidade de outras doenças que eu nem sei se existem mesmo. Sem falar que você está queimando dinheiro, literalmente. “Mas ainda assim, podemos comprar para você experimentar agora mesmo, faço questão de dar o dinheiro”, disse ele, com um sorriso nos lábios.

Pensei e falei ao mesmo tempo, atropelando palavras e pensamentos, não sabia se primeiro negava a vontade que até o momento nunca existira ou se dizia que não queria queimar o dinheiro com isso, nem para experimentar. Pronto, não era mais proibido, podia experimentar a hora que quisesse. Era só pedir para o meu pai que ele daria o dinheiro, sem contestar.

O tempo passou, na escola muita gente fumava, oferecia cigarros, mas eu não sentia o menor interesse. Uns dois anos mais tarde, lá vem meu pai com novo discurso, mais afinado com a fase de adolescente do sexo feminino. “Se você por acaso engravidar, eu vou te dar todo o apoio que você precisar. Se você abortar, te ajudo. Se quiser ter o filho, também te ajudo. Mas as conseqüências são essa, essa e essa........ Por isso, o melhor mesmo é que não aconteça sem planejamento.

Bomba, por essa eu também não esperava, principalmente de um cara que nasceu em Piracanjuba, interior de Goiás. Em termos de machismo, acho este Estado só perde para o Clube do Machão Mineiro. Do alto da sua baixa instrução e muita sabedoria, percebeu que o que é proibido só traz estímulos. E sem nenhuma censura, sem proibir nossas saídas, viagens com amigos e os bailinhos, manteve a mim e a minha irmã afastadas de tudo que mais aflige os pais: vícios, cigarros e uma gravidez indesejada.

Não tenho filhos, mas se eu fosse responsável pela educação de alguém eu faria o que a Elis Regina consagrou na música “Como Nossos Pais”. Eu faria igualzinho a ele.

terça-feira, agosto 08, 2006

Mal-acostumada


Nunca fui reprovada. Nem na escola primária, ginásio, colegial – hoje nem existem mais esses nomes, tratam de ensino fundamental e médio. Aí vem o temido, tenebroso, assustador vestibular – que, embora preparada para o pior sempre, passei em todos – Unesp, Mackenzie, USP, Cásper Líbero.

Aí vieram os concursos. IBGE, passei em quarto lugar para fazer o censo econômico no final da década de 80. Trabalho temporário, de um semestre, meio período, ótimo para quem está estudando. Aí vieram as línguas. Testes para ter certificados em inglês – IELTs, da universidade de Cambridge. Passei. Pronto, o suficiente para achar que nunca vou repetir em nada.

Comecei a estudar espanhol. Depois de uns dois ou três anos, já dá para saber bem a gramática, falar, escrever. Hora de testar os conhecimentos novamente, Diploma Superior de Espanhol – ótimo, é uma proficiência que abre possibilidades para estudar nas universidades espanholas, dar aulas de espanhol....não que eu tenha tantas pretensões, mas um plano B é sempre bom!

Fui para o exame sem estudar muito – sabia o mínimo necessário para passar. Mas como eu tenho uma graça divina, um anjo da guarda ou qualquer outra proteção sobrenatural que me impede de tomar pau em testes, não me preocupei. Depois de três meses, fui recompensada. Com a reprovação. O quê???? Reprovada??? Não acredito nisso!!!!! Onde estava minha proteção contra reprovações??? A casa caiu!

Pois é. Falhou. E eu demorei para me recuperar. Depois de três anos, criei coragem para me submeter novamente ao teste. Estudei por três meses, fiz aulas extras, simulados, teste oral, teste escrito e principalmente estudei os verbos, um a um, que foram o meu calcanhar de aquiles na prova anterior. Fui preparada para todos os cenários, inclusive para uma reprovação novamente. Mas desta vez eu passei. UFA!!!! Nunca mais subestimo uma prova. Afinal, nesta vida, ninguém está protegido de nada.....

quarta-feira, agosto 02, 2006

Ilusões gratuitas



Pergunte a si mesmo quais são os cinco órgãos dos sentidos. De bate-pronto ninguém responde. Tem que parar e pensar um pouco: visão - é o que a maioria lembra primeiro, inclusive utiliza o verbo ver para tudo: viu que balada forte, viu que comida gostosa, viu que conversa divertida, viu como ela é legal, viu como está frio -, paladar (para os mais gulosos), tato (para os pegajosos e carinhosos) e olfato (para quem tem instinto animal). E aquele que é preciso de um esforço extra para ser lembrado – a audição, porque é algo que a gente não faz – ouvir.

Pois é, pensando nisso fui conferir uma dica do sobrinho do meu namorado, que nos trouxe a idéia da exposição de título sugestivo no Sesc Pompéia, Ilusão de Verdade, boa para todas as idades, sobre sensações ilusórias – mas que na verdade são reais. Quem mais se divertiu foi meu enteado, que interagiu completamente com tudo que podia.

Tem estereoscopia, realidade aumentada, performances, teatro, histórias contadas e oficinas. Mexe com todos os sentidos, só falta o paladar. E por incrível que pareça, todo mundo se diverte com os espelhos côncavos e convexos, com o colchão de ar, com o teatro, ou seja, tudo o que for visual e táctil. Mas as salas dedicadas aos estímulos auditivos estavam vazias ou povoadas por casais de namorados, desinteressados deste tipo de estímulo.

Será que não sabemos mais ouvir? Será que as pessoas nos ouvem apenas esperando a vez de falar? E será que também não sabemos ouvir as pessoas quando elas mais precisam? Vale a reflexão. De qualquer forma, a exposição também vale a pena ser sentida, percebida, participada e não mexe com aquele órgão do sentido que não citei aqui – o bolso.