quarta-feira, julho 05, 2006

Esqueceram de mim

Parecia um domingo como outro qualquer, apesar de ser o dia dos namorados. As quatro amigas estavam reunidas, sentadas na mesa da sala para o almoço de domingo e conversavam animadamente. Eu já observava que tinham parado de comer, pois não senti cheiro de mais nada interessante em cima da mesa.

Como eu sou muito sensível a ruídos, ouvi pessoas na rua gritando. Não me incomodei, pois é normal numa cidade grande como São Paulo. Tem muito barulho que sai do mesmo jeito que chega, sem pedir licença nem dizer até logo. Mas eram gritos insistentes, tanto que a dona da casa se levantou para ir até a janela para ver o que estava acontecendo. Para ela, parecia uma briga de casal.

De repente todas se levantaram e foram até a janela – na sala só tem duas, e cada uma tratou de ocupar uma metade. E eu? Não sobrou nem um pedacinho da janela. Como sou muito pequeno, todo mundo se esqueceu de mim. Na hora de me pedir para fazer gracinhas, me fazer pular para pegar um mísero biscoitinho me dão toda a atenção do mundo. Mas justo quando eu mais queria ninguém pensou em me carregar no colo para eu ver por que as pessoas lá embaixo brigavam.

Claro que na bolsa daquela mulher na rua deveria ter muita comida, por isso o homem tentava arrancá-la a todo custo da sua mão. Ele a puxou, derrubou a mulher no chão – e nada da egoísta dividir a bolsa com ele. Mas como ele era mais forte, finalmente conseguiu. E só de raiva também não dividiu com ela, saiu correndo pela rua.

Nesta altura eu parecia um equilibrista. Se aquela amiga que eu escolhi, a mais alta de todas, se movesse um milímetro, no mínimo eu sairia com uma pata quebrada e também não poderia sair correndo atrás do egoísta com a bolsa. Mas mesmo assim me arrisquei a me posicionar como uma ponte, apoiando as patas de trás no sofá, que de propósito deixam longe da janela para eu não ver o que acontecia lá do sexto andar, e as outras no quadril dela.

A de óculos parecia ser a que tinha mais raiva de ficar sem a comida da bolsa, pois desceu correndo os seis andares e quando eu tentei ir junto para dividir todas aquelas guloseimas ela me prendeu na cozinha. Fiquei um bom tempo sem saber o que estava acontecendo, mas ouvi uns barulhos estridentes de sirene, palavrões, xingamentos que eu nunca tinha ouvido antes e todo mundo falando alto.

Percebi que a bolsa cheia de coisas gostosas voltou para a dona dela, pois as amigas se acalmaram e voltaram à conversa ao redor da mesa. Acho que a dona da bolsa deve ter dividido a comida com todo mundo que estava lá embaixo, menos com o egoísta que queria comer sozinho. Como não me deixaram ir, também não ganhei nada.


Estela Silva

7 comentários:

Silvia Regina Angerami Rodrigues disse...

Nossa, que história cheia de ação e de emoção canina!! hehehe. Gostei.

Anônimo disse...

Treinando pra ser escritora, hein? Continue assim. bj,

Anônimo disse...

hahahahhaha....
quem disse que os cachorros não pensam?
adorei a forma como o texto foi escrito... Desperta curiosidade e é mto bem-humorado.
Bjos Estelita!!!
Fabi (www.fotolog.com/fabiemclique)

Anônimo disse...

Muito legal Estelinha!!!!!!!!
Ou como um engenheiro diria, um texto deveras fluido!

Beijinhos

Will

Anônimo disse...

Adorei. No começo achei que fosse vc... ufa coitado desse cachorrinho!!!!
bjs

Anônimo disse...

Na verdade o nome do blog não deveria ser "Jornalista Crônica", mas sim "Jornalista Peludo"

Anônimo disse...

Vamos lá, querida, você ainda tem muitas histórias interessantes pra contar sobre o Tobias. Lembre-se, alguém tem de fazer isso por ele!!!
Beijos,
Zeca