terça-feira, setembro 12, 2006

Todo sobre mi madre

Existe um senso comum sobre as mães. São abnegadas, padecem no paraíso, fazem tudo por seus filhos, lutam por eles como verdadeiras leoas. A verdadeira personificação do conforto, do carinho, daquele ombro que você pode chorar em qualquer momento. Mas algumas ainda se diferenciam também pela generosidade, como é o caso da minha. Só que nem sempre as mães que se enquadram nessa categoria se limitam em exercer a generosidade somente para os filhos.

A minha nasceu desprendida. Desde a humilde infância era capaz de dar a roupa do corpo para outra criança ainda mais desprovida de recursos. Quando ela era atendente em um posto de saúde, antes de sair para trabalhar, eu mesma revistava os bolsos dela para me certificar de que não tinha dinheiro algum, senão ela voltava sem nada – doava sempre para algum doente sem recursos. Por isso, ela nem se importou quando minha irmã pediu para trazer uma amiga para dormir em casa por uns 15 dias.

A tal amiga vinha da Argentina e as duas se conheceram em Florianópolis, naquela época que nossos hermanos invadiram nossas praias. Filha de mãe depressiva e herdeira do mesmo mal, Laura queria tentar a vida em São Paulo longe da família, para fugir dos próprios problemas.

Minha mãe a recebeu com carinho, acomodou-a entre as nossas camas de tal forma que, se uma esticasse os braços, a outra tinha de se encolher tal qual um caramujo. Não demorou um mês para que a nova habitante engordasse 10 quilos em casa, à custa nossa, claro, porque ela tinha só 20 anos, não tinha emprego, dinheiro, formação, educação, nada. Engordar desse jeito implica não caber nas próprias roupas. E é claro que a folgada começou a usar as roupas da minha mãe. E sem autorização.

Quem ficou louca com a invasão de guarda-roupa fui eu. Minha mãe? Nem te ligo....deixa, coitada, ela está precisando....Perto desse sentimento de pena, não só da Laura, mas de toda a humanidade, vem junto um sentimento de tolerância natural. Nunca vi ninguém aceitar melhor as limitações, defeitos e problemas do ser humano como a minha mãe. Consegue ver sempre o lado bom das situações e das pessoas, mesmo que ele esteja bem escondido.

Ainda estou longe de exercer toda essa tolerância e generosidade como ela. Mas certamente, se ela não fosse assim, eu estaria num patamar muito mais baixo. Tanto que eu não tive coragem de mandar a argentina abusada de volta para onde veio, pois os 15 dias se prolongaram por seis meses. Muito menos minha mãe ou minha irmã. Quem concretizou o desejo de todos foi meu pai, cuja generosidade tem limites. Pelo menos de fronteira.

4 comentários:

Fabiana Lopes disse...

hahahah... adorei...
Parafraseando Almodovar.
E é bem assim mesmo. O útero faz uma diferença tremenda entre homens e mulheres...
E sim, as mães são providas de uma generosidade impressionante. Elas são capazes de fazer coisas que me dá até preguiça de pensar, somente para satisfazer os filhos de alguma forma.

Silvia Regina Angerami Rodrigues disse...

Nooossa!! quanta tolerância... Ela pelo menos te ensinou español, Estelita??

Anônimo disse...

Star,

Adorei a história. Tenho certeza de que sua mãe ajudaria o mundo todo se fosse preciso.
Zeca

Anônimo disse...

Querida, você falou da sua mãe, mas poderia estar falando da minha que já se foi. Mas como parece que ela está aqui pertinho...! Ás vezes falando "pega um casaco que vai esfriar". E pode crer que esfria!
Obrigada por homenager a sua mãe e a minha por tabela.

Um beijo enorme, Alice (Lica)